Os tempos recentes têm vindo a dar cada vez mais palco a temáticas como o recrutamento remoto, a utilização da Inteligência Artificial (AI) nos processos de seleção, bem como outros tipos de tecnologias e plataformas que invariavelmente ajudam a tornar os processos mais eficientes e ajustados ao contexto atual.

Mas será que a adoção destas ferramentas por si é o garante de processos de seleção bem-sucedidos e eficientes? No meu entender não. Ou melhor, acredito que independentemente da adoção destas práticas, as Organizações devem igualmente prestar atenção a variáveis que continuam a ter bastante peso no sucesso ou insucesso dos processos de atração de talento.  

Com base na minha experiência, sintetizarei alguns potenciais derailers processuais que teimam em subsistir e que inevitavelmente acabam por impactar no sucesso da atração de talento. 

1) EVP (Employee Value Preposition)

Muitas empresas continuam a não investir realmente na criação de um pitch que potencie o engagement e que seja verdadeiro, i.e. que retrate a realidade que os futuros colaboradores irão encontrar na organização, integrado numa política de atração e retenção de talento, que permita dotar os seus projetos de propósito e criar um vinculo emocional importante com a população de potenciais interessados. Não basta as empresas viverem da sua notoriedade no mercado, é fundamental identificarem o seu valor diferenciador e criarem um story-telling que o permita ativar (e depois colocá-lo em prática, o que ajudará a retroalimentar o processo de atração). Por outro lado, é importante que as organizações comecem a aceitar com maior naturalidade que, particularmente em algumas áreas, os ciclos de permanência dos colaboradores nas empresas são cada vez mais curtos, o que reforça a importância de ter este ciclo virtuoso (atração-retenção) oleado, de forma a conseguir garantir a reposição regular do talento que inevitavelmente acabará por sair. 

2) Fases, número de decisores envolvidos e duração do processo de decisão 

De pouco adianta a utilização de ferramentas que agilizem a velocidade de identificação de perfis que façam fit com o que se procura, se depois numa fase mais adiantada se continue a perder demasiado tempo a tomar a decisão final. O candidato tornou-se, hoje-em-dia, num “player” cada vez mais exigente e também mais impaciente. Já há muito que deixou de desempenhar um papel passivo na relação com o potencial empregador. Se estivermos a falar de funções de nicho (onde há pouca oferta e muita procura) esta situação torna-se ainda mais patente. Neste âmbito, acredito que, salvo situações especificas, seja completamente desaconselhável a criação de fluxos com fases excessivas e intervenientes múltiplos, que apenas irão arrastar as decisões durante várias semanas levando em muitos dos casos às frustrantes desistências por parte dos candidatos.  

3) “Gostei bastante deste candidato, mas gostaríamos de ter mais 2 semelhantes para poder comparar” 

Devem ser raros os colegas que trabalham neste ramo que não tenham ouvido algo semelhante da parte dos decisores. É verdade que é importante as empresas poderem comparar, calibrar e decidir com base em opções de qualidade (sem serem forçadas a decidir pelo “mal menor”). Todavia, o mercado atual não se compadece com hesitações (até pelos motivos elencados no ponto anterior). Quantas vezes os decisores querem ver mais alternativas, apenas para confirmarem a decisão inicial. O pior é que muitas vezes a opção original já não está disponível quando a decisão é finalmente tomada.

4) Packages Salariais vs. Perfil Desejado vs. Equidade Interna

O contexto de mercado dos últimos anos abrandou e, em alguns casos, fez mesmo baixar o nível salarial médio de algumas posições. Mas não de todas! Por outro lado, o alvo principal da maioria das empresas que pretendem recrutar continua a ser os Top Performers do mercado (e esses, por certo auferem condições salariais de referência). Adicionalmente, muitas vezes as empresas que pretendem recrutar acabam por estar igualmente reféns das suas próprias políticas salariais, sendo que acompanhar as exigências salariais dos potenciais candidatos pode colocar em causa a equidade salarial interna das equipas. Este triângulo (o que eu quero, o que posso dar e como não abalar a minha equidade interna) quando não resolvido no arranque dos projetos pode condicionar bastante o sucesso dos mesmos. 

5) Flexibilidade para aceitar perfis alternativos. 

Face a todas as condicionantes atrás mencionadas, é urgente que as empresas tenham a abertura para considerar perfis alternativos, “não óbvios” e não se fechem em preconceitos que reduzem desnecessariamente o scope de candidatos elegíveis para determinada posição. Quando muito se fala na diversidade, é fundamental que as organizações estejam dispostas a alargar os seus horizontes e, dessa forma, aumentarem a pool de potenciais candidatos a ter em consideração.

Acredito que, enquanto consultores, cabe-nos sensibilizar e ajudar as organizações a adotarem uma abordagem estratégica em relação ao processo de recrutamento, perspetivando-o de uma forma integrada e ajudando a definir as melhores estratégias para gerir eficazmente os potencias bloqueadores atrás mencionados. 

Miguel Abreu
RAY Human Capital