Muito se tem falado nos últimos anos das alterações que a Inteligência Artificial (AI) provocará em muitas indústrias e os impactos que produzirá na forma como habitualmente gerimos as nossas tarefas. Na área da seleção e do executive search esta temática já há muito se debate, não sendo ainda totalmente claro para todos as vantagens e desvantagens das alterações que se anteveem e que, em alguns casos, já se encontram em prática.

Entre 1950 a e meados de 1990, as empresas de search esgrimiam as suas bases de dados, competindo pelas maiores e mais exaustivas. Apostavam nas chamadas telefónicas, começando pela sua network mais próxima e alargando este scope na medida das necessidades. Nessa altura o seu sucesso enquanto profissionais de search dependia em larga escala da sua rede de contatos profissionais.

A Internet e o acesso a bases de dados de profissionais começaram a alterar este paradigma.

Pela primeira vez informação sobre as equipas de trabalho passaram a estar globalmente disponíveis. A Rede Profissional Linkedin, por exemplo, com as suas centenas de milhões de perfis ativos, permitiu alargar os targets de pesquisa muito para além da rede de contatos pessoais.

As atuais tecnologias ao nível de machine learning e de análises preditivas permitem processar elevados volumes de dados com elevada velocidade e precisão, podendo trazer mudanças significativas no mundo do search.

A aplicação mais revolucionária da AI será a capacidade de processar elevados conjuntos de dados, em evolução constante, e produzir inferências dedutivas a partir desses dados. Os algoritmos de AI conseguem atualmente conjugar perfis pessoais com perfis profissionais, com base em biliões de fontes (sociais, públicas e corporativas), a partir dos quais conseguem construir um retrato em constante atualização do mercado laboral.

Este retrato é depois sujeito ao motor de machine learning que permite contrastar e comparar os perfis dos candidatos e das empresas, tendo em conta:

  • elevada variedade de métricas de análise;
  • rapidez de resposta (os algoritmos de AI conseguem desenvolver milhões de comparações de padrões por segundo) o que conduzirá à diminuição dos prazos tradicionais de conclusão dos processos de search;
  • escalabilidade e elevada precisão.

Ao invés de simplesmente filtrar candidatos através de métricas estáticas (experiência profissional, educação, etc.), conferindo aos consultores a responsabilidade de fazer as inferências qualitativas, a AI é capaz de identificar candidatos que demonstraram padrões de excelência ao longo das suas carreiras. É capaz de identificar candidatos ajustados ao que se procura, pela sua maior probabilidade em estarem interessadas numa nova posição.

Por outro lado, a AI permite também reduzir substancialmente o grau de enviesamento inconsciente que inevitavelmente impacta no processo de seleção, quando se utiliza a abordagem tradicional, potenciando assim a diversidade e uma maior componente de acuidade e justiça ao crivo avaliativo.

Na realidade, estes algoritmos podem ser utilizados não apenas para ajudar a produzir shortlists de candidatos, mas também para criar pipeline atualizado e renovado face a necessidades futuras e desenvolver talent mappings tendo em conta as mais variadas subcategorias do mercado laboral.

Quem trabalha nesta área, sabe que, por vezes, pequenos pormenores ligados às particularidades de cada projeto e às especificidades de cada candidato acabam por ter um papel decisivo no processo de escolha e no sucesso na empresa. Por conseguinte, não obstante o papel crescente que a AI terá no negócio do search, é pouco provável que substitua a necessidade de interação humana. Ou seja, a intervenção do Consultor continua a ser indispensável em vários domínios fundamentais para garantir a qualidade e eficiência do processo, nomeadamente na:

  • credibilização da interação (pelo domínio do conhecimento de dado setor e mercado, pelo papel representativo da empresa cliente, etc.);
  • “venda” do projeto ao candidato, ativando as características especificas do mesmo que podem apelar a cada individuo e esclarecendo eventuais dúvidas existentes;
  • gestão do candidate journey ao longo das diferentes fases do processo, mantendo o nível de interesse e acompanhamento necessário até a fase do onboarding (candidate care);
  • avaliação das competências (soft skills) e na diferenciação fina entre candidatos, não obstante a alavanca da filtragem prévia que deixa antever um nível de fit ajustado;
  • negociação das particularidades do contrato com os candidatos, atuando como agente facilitador;
  • capacidade de se posicionar como aliado de ambas as partes – ser o representante dos interesses da empresa junto ao candidato e simultaneamente o representante dos interesses do candidato junto à empresa.

Existem ainda questões que merecem análise quando nos focamos no contexto português, nomeadamente no que se refere à dimensão do mercado e ao acesso aos dados. Todavia, a nossa experiência nacional e internacional aponta para que a AI se transforme num complemento cada vez mais relevante, sem substituir a intervenção humana. Cada vez mais Pessoas e Tecnologia andarão de mãos dadas na captação e seleção de Talento, tal como já acontece ao nível dos modelos de negócio das Organizações.

Miguel Abreu
RAY Human Capital

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